Marketing para moldar a percepção de um produto
Se você fabrica um produto que não agrada o consumidor, por qualquer que seja o motivo, pela lógica as opções são adaptar ou descontinuar o produto.
Só que na maior parte das vezes, a natureza da rejeição é psicológica ou cultural, e não por um problema real no produto. A Kaiser é um ótimo exemplo disso, nos testes cegos, era melhor avaliada do que todas as concorrentes diretas, mas ainda assim, uma vez revelado o nome, era indelevelmente rejeitada pelo consumidor.
Neste caso, o produto não era exatamente um bem de consumo, e sim um empreendimento urbano, o que tornava o trabalho do marketing ainda mais difícil. Borgo Berga em Vicenza é projeto de distrito misto com edifícios residenciais, comerciais, centro comercial, praça, supermercado e fórum, foi controverso desde o início das obras.
Apesar de ter sido idealizada pelos “arquistars” João Nunes e Gonçalo Byrne, e tendo como principal característica o alinhamento ao modelo das cidades europeias, com amplo passeio público, edifícios sem recuo, praça central e zoneamento misto, Borgo Berga foi desde o começo rechaçada pela população. A natureza da rejeição era basicamente ligada ao aspecto das fachadas, modernas demais para o gosto vicentino.
Meu trabalho nesse caso era criar uma narrativa e uma resignificação institucional para o distrito, sem ignorar o ruído na opinião pública, até porque os opositores a BorgoBerga se mostraram bastante ativos na internet. Além da ação movida na justiça, a campanha teve as hashtags: #stopecomostri (chega de eco-monstros) e #mostroborgoberga (monstro BorgoBerga), site com coleta de doações, etc. Foram até bem criativos na campanha, admitamos.
O distrito é moderno, energeticamente eficiente, funcional e benigno para a cidade. Aceitá-lo é uma questão de tempo. A própria Torre Eiffel, a princípio foi repudiada pelo povo de Paris, e hoje é simplesmente o maior símbolo da França. Inclusive – spoiler alert – foi esse o gancho usado na comunicação.
Foi criada uma campanha de comunicação que argumentava que qualquer intervenção urbanística requer um tempo para se integrar à cidade, e que o tempo às vezes desmente as mentes mais brilhantes.
Apropriou-se de uma célebre carta de Alexandre Dumas ao Governo Parisiense em que repudiava a construção da Torre Eiffel, e com um pouco de ironia saudável, sem desrespeitar ninguém, a montagem ficou assim:
A campanha de contenção de crise era obviamente dirigida aos opositores do projeto, além de importante para posicionar o empreendimento perante toda a população, mas era preciso também vender as unidades.
Esta campanha paralela tinha que ser bem mais dirigida, com foco em mídias do setor imobiliários e sites de classificados. Quando peguei a conta, todas as peças veiculadas mostravam ou rendering do que o projeto seria assim que as obras fossem concluídas, ou fotos das famigeradas fachadas áridas e sem vida dos edifícios já prontos e ainda desocupados.
Foi feito um novo shooting, desta vez com foco nas áreas internas e com a presença de pessoas. O objetivo era apresentar o outro lado do distrito que a maioria das pessoas não conhecia, o de dentro.
Ao longo do tempo, além da campanha institucional continuada com criação de conteúdo para mídias sociais, site, brochuras, promoções de vendas e lançamentos, foram desenvolvidos projetos culturais, mostras, feiras, concertos, etc. – um esforço contínuo para retribuir à cidade pelo inconveniente visual dos canteiros de obras e ocupação do espaço.
Uma mudança mais definitiva de percepção talvez só seja alcançada muito depois que os últimos tapumes forem retirados, mas o posicionamento da campanha contribuiu ao estabelecimento de um diálogo mais racional e civilizado quanto ao projeto.
Os lançamentos seguintes superaram a meta de 50% de ocupação nos primeiros meses, enquanto gradativamente BorgoBerga se fundiu com a cidade.